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Recordo-me perfeitamente de nos meus tempos de estudante de Direito ter tido uma pequena troca de ideias com um meu colega de curso sobre uma inovação legislativa da altura. Tal inovação consistiu na inversão do segredo de justiça. Este meu colega via com bons olhos a inversão do segredo de justiça (que passou a ter de ser requerido pelas partes) e eu não. Isto porque na altura era – e ainda sou – do entendimento de que a Justiça é algo de complexo e influente, e como tal não deveria ficar exposta aos naturais desvarios da Comunicação Social.
Anos volvidos, eis que temos agora a prova de que não foi mesmo boa ideia o nosso Legislador (entenda-se aqui Assembleia da República) ter tomado a iniciativa de abrir a Justiça à Sociedade. O famoso caso Sócrates (Operação Marquês) é um bom exemplo disto mesmo dado que são tantas as fugas de informação relativas ao mesmo, que já ninguém quer saber que a violação do segredo de justiça é crime.
A Justiça é hoje em dia um circo mediático onde vale tudo. Pelo menos é esta a imagem recente que tenho da nossa Justiça. É impressionante que uma investigação complexa como a que envolve o antigo Primeiro-ministro José Sócrates tenha todos os pormenores expostos à priori em tudo quanto é televisão e jornais… E a dita está longe de ter terminado, Até parece que há um forte interesse em promover algo que a nossa Assembleia da República deveria rep1udiar por todos os meios. Refiro-me, obviamente, à sempre indesejada e irracional justiça popular.
Mas o problema não se fica pelo caso Sócrates. Outros dos ditos “processos mediáticos” depararam-se com o mesmo tipo de problemas que giram em torno da já aqui referida Operação Marquês. E também nestes vimos os Réus a serem julgados e a apresentarem a sua defesa na Praça Pública. Quem não se recorda, por exemplo, da triste figurinha que foi o famoso processo “Apito Dourado”?
Já não basta aos Agentes da Justiça e ao cidadão ter de lidar – muitas vezes – com a complexidade de uma Justiça portuguesa cara, burocrática e incompreensível em algumas das decisões que toma, e tem também de saber lidar com o circo mediático que gravita em torno de um qualquer caso que envolva figuras públicas e/ou que seja fora do normal.
Não estou com isto a dizer que a Comunicação Social não deva procurar manter os cidadãos informados dos processos que a Justiça investiga. Pelo contrário. Concordo inteiramente com a importância de se manter a sociedade a par do que se passa na Justiça. O problema é que entre a ética/dever de informar e o lucro gerado pela especulação existe uma linha muito ténue. Linha que passou a ser violada vezes sem conta com autorização expressa – repito – de quem tem o expresso dever de erradicar o triste e enfadonho fenómeno da justiça popular.
Isto do mediatismo da Justiça não condiz nada bem com um país como o nosso que se diz desenvolvido e pertencente a uma Europa onde todos os indivíduos são tratados por igual.
Artigo publicado no site Repórter Sombra (20/03/2017)