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Ainda a respeito do actual estado de coisas na ferrovia portuguesa (um assunto que agora já não interessa a ninguém), li algures um texto de opinião de um defensor da privatização total da exploração da dita.
Obviamente que parto do principio (do qual sou um acérrimo defensor) de que cada pessoa tem direito à sua opinião e a expor a dita opinião. Agora, na minha perspectiva, convêm que a opinião seja minimamente fundamentada e, sobretudo, que faça algum sentido lógico.
O problema do texto em questão está, essencialmente, na fundamentação que serviu de base à formulação do juízo de opinião de quem acha que a empresa Caminhos de Portugal (CP) deve ser totalmente privatizada porque, segundo o exemplo dado pelo autor da ideia, em Inglaterra a privatização do sector da ferrovia nos idos anos 80 teve uma taxa de sucesso de 3%. De lado ficou o facto de os ingleses terem uma cumplicidade histórica enorme com a dita ferrovia quando comprados com a realidade portuguesa e as constantes e ainda muito actuais enxurradas de reclamações que os utentes da ferrovia das Terras de Sua Majestade fazem relativamente ao precário serviço prestado pela tão ferrovia totalmente privada. A culpa, digo eu (seguindo a lógica do autor), será do complexo processo de privatização inglês, embora o dito autor não tenha perdido muito do seu precioso tempo a explicar em que consistiu tal processo.
Mas há mais. Seguindo ainda a lógica do crente da doutrina da Santa igreja das Privatizações, os variadíssimos problemas que os nossos comboios enfrentam resolvem-se com a entrega da exploração dos ditos a privados e com a criação da mística figura do Regulador. Assim como se de uma espécie de Cardeal que, face à experiência recente no nosso país, nada faz e nada diz sobre as “toneladas” de reclamações que recebe diariamente.
Sinceramente, há coisas que devem ser vistas e analisados tendo pro base a dura realidade. Realidade que não está expressa nas páginas de um qualquer excel e muito menos nos enormes “calhamaços” teóricos dos doutrinários da Santa Igreja das Privatizações.
Já aqui o disse e repito, sectores existem que pela sua natureza não podem – nem devem! – ser privatizados. A ferrovia portuguesa, por muito que custe a muito boa gente aceitar tal, não pode, nem deve ser privatizada. Nem total, nem parcialmente. Isto porque o investidor que invista numa privatização de um qualquer sector outrora nas mãos da gestão do Estado vai, legitimamente, exigir o devido retorno do seu investimento. E exige tal seja a que custo for. Tal passa pelo fecho de estações, supressão de comboios/serviços, despedimento de pessoal, precariedade das condições de trabalho e, inclusive, comparticipações do Estado/Autarquia caso este mesmo investidor seja obrigado a ter de assegurar um qualquer serviço minimalista em zonas que lhe dão prejuízo.
Para além de tudo o que já aqui expus - corrijam-me se estiver errado - tirando o sector das telecomunicações, a tal de “liberalização total” redundou sempre num enorme prejuízo para o consumidor/utente. Mesmo que a tal “liberalização total” seja patrocinada/forçada pela União Europeia.
Ora, evitando já certos pensamentos e ideias pré concebidas que são repetidas até à exaustão, eu não sou a favor da manutenção e/ou criação de enormes empresas estatais.
Sou antes favorável à manutenção das empresas estatais onde estas sejam manifestamente necessárias e que estas sejam alvo de uma gestão correcta e enquadrada à realidade em que se encontram a laborar. Dito de outra forma e colocando em ciam da mesa o assunto aqui em análise; eu não sou favor da privatização total ou parcial da CP em nome de uma taxa de sucesso inglesa na ordem dos 3%.
Eu sou antes a favor de que haja coragem e decência da parte de quem nos governa (e pretende governar) para que a gestão da CP seja algo que é pensado para a década e não consoante as vontades e orientações políticas de cada Governo.
Isto tudo porque, repito, o sector da ferrovia portuguesa é algo que pela sua natureza não se pode, nem se deve, privatizar sem que tal tenha um enorme custo para a população em geral.
Artigo publicado no site Repórter Sombra (11/09/2018)